terça-feira, 24 de novembro de 2009

REDENÇÃO

Sarve, Oh! Deus Onipotente!
Qui criou o céu e o má,
Qui veno a gente pecá
Ainda perdoa a gente;
Sempre bondoso e cremente,
Nos dá toda proteção,
É pai ditoso e, então,
Seu amô é santo, é puro
Qui inté pru crime mais duro
Ele reserva um perdão!

Minha istora é cunhecida
Pur todo esse sertão,
Só ninguém sabe, patrão,
Qui a liberdade quirida,
Quando a gente vê perdida
É qui o remorso aparece
E dentro da gente, cresce.
Mas cadê pudê vortá
Do mei da trama e evitá
As teia qui o diabo tece?

Ao obtê a liberdade,
Num teno mais o meu pai,
Minha mãe, vai mas num vai,
Saí triste, na verdade.
Minha mãe, pur piedade,
Do muito qui ocorreu,
Num relato pra eu.
Ansim, preso, eu num sabia
Qui a fome, muitos dia,
Na sua porta bateu.

Mas minha mãe inda me viu
Gozano da liberdade.
Mas já avançada da idade,
Com mais um ano, partiu.
Me abraçano sorriu
Quando sua hora chegô,
Sorrino me abençoô,
E pru céu, cuma um anjinho,
Ansim Cuma um passarinho,
Sua alma pura vuô.

Fiquei sozinho no mundo,
Inda pur cima, mal visto.
Me agarrei cum Jesus Cristo
Pra num sê um vagabundo.
Meu desgosto era profundo
Quando eu via Dona Aninha
Qui tombém ficô sozinha,
Pois viúva criô Zé,
Qui eu ajuntei os pé
Naquela hora mesquinha.

Deus me perdoe – Ave Maria!
Se vou dizê coisa fea:
Mermo sorto ou na cadea
Eu tinha a merma agonia,
A merma dô me afrigia
Cuma se eu fosse um ateu,
Era triste os dia meu...
Parecia, meu patrão,
Qui Deus, cum toda razão,
Andava cum raiva d’eu.

Apesá de tê dexado
A danada da cadêa
Tinha na alma u’a peia
Eu vivia amargurado.
Tinha um remorso incausado
Qui num achava meizinha,
Mas u’a voz, u’a tardinha,
Me dixe qui pra eu vivê
Eu tinha qui obtê
O perdão de Dona Aninha.

Fui entonce, sem demora,
Pru ranchim, pra casa dela,
Qui, pra mim, virô capela
E ela, Nossa Senhora!
Dona Aninha, minh’alma implora,
Eu vim aqui lhe implorá
Seu perdão; e ela, a me oiá
Cum uns zoinho imbaciado
Me abraçô e, abraçado,
Nós cumecemo a chorá.

Dipois sirrimo. E Jesus,
Num registro na parede
Do ranchim, bem junto à rede,
Tombém sirriu lá da cruz.
A sala se incheu de luz
Viro u’a ingreja a casinha
Diante, intão, da veinha,
Sentei o juei no chão,
De Deus sintino o perdão
No perdão de Dona Aninha.

E ainda, pur sorte minha,
Cumpretano o seu perdão,
Numa noite de São João,
Ela quis sê minha madrinha.
Ansim, a doce veinha
Fez eu isquecê o qui se deu,
O meu passado morreu
E a minha vida hoje é bela.
A minha mãe, hoje, é ela
E o Zé, pra ela, sô eu.

Sarve, Oh! Deus Onipotente!
Qui criou o céu e o má,
Qui veno a gente pecá
Ainda perdoa a gente;
Sempre bondoso e cremente,
Nos dá toda proteção,
É pai ditoso e, então,
Seu amô é santo, é puro
Qui inté pru crime mais duro
Ele reserva um perdão.

4 comentários:

  1. Muito interessante td que li, vim por um link que vi no face de um amigo e me surpreendi com td que vi, boas histórias, bom resgate...

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  2. "... De deus sintino o perdão
    No perdão de Dona Aninha..."

    Poderia grifar outros versos, principalmente no final..... o perdão é sempre muito comovente e uma mãe sempre perdoa seu filho, mesmo que esse filho seja adotado, mesmo que o filho tenha sido adotado nestas circunstâncias..........

    Bela história

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