terça-feira, 24 de novembro de 2009

ATITUDE CELESTINA

ATiTude CelesTina é um movimento cultural que visa a divulgar a obra e pensamento do poeta Tude Celestino de Souza.
Idealizado pela atriz e produtora JusTina Tude, este movimento contempla ações em diversos segmentos, como o Projeto ATiTude - Identidade & Memória de Ipitanga, uma iniciativa da Secretaria Municipal de Educação de Lauro de Freitas que implementa no currículo escolar o estudo e reconhecimento do território, da história e das referências culturais da localidade de Ipitanga, do Tupi “água vermelha” – nome ancestral da localidade que remete à origem indígena.
A nomenclatura ATiTude traz a referência ao poeta Tude Celestino de Souza (1921-1989), falecido literata radicado na então Santo Amaro de Ipitanga (hoje, Lauro de Freitas), cuja obra e pensamento marcam na história do município o mais relevante legado literário atribuído a um cidadão ipitanguense, sendo considerado uma referência na cultura local não só pelo virtuosismo poético como pela iniciativa irrefutável de preservação do nome e memória de Ipitanga.
Visando a reparar essa carência de uma cultura memorial por meio de uma ação que contemple a reinserção do poeta como parâmetro de identificação cultural frente às novas gerações, o Projeto ATiTude prevê a implementação do estudo literário da Poesia Tudina nas escolas públicas municipais como dispositivo para retratação das referências e unidade cultural locais, bem como a história e memória de Ipitanga.
Essa ação pretende oferecer à comunidade de Lauro de Freitas a oportunidade de, através do conhecimento de sua história e cultura, despertar o interesse pela manutenção delas próprias e a produção de uma trajetória posterior que não só as valorize, como, sobretudo, influencie a construção de outras referências memoráveis.
Em 2012, por ocasião dos 50 anos de emancipação política de nosso município, o Projeto ATiTude - Identidade & Memória de Ipitanga, lança a campanha "LAURO DE FREITAS - 50 ANOS, ORGULHO DE SER IPITANGUENSE", uma ação que tem vistas à atribuição do gentílico "ipitanguense" a essa comunidade, como dispositivo da reflexão de ancestralidade e memória.

TUDE CELESTINO DE SOUZA


Nascido em Campo Formoso, em 25 de Junho de 1921, o poeta Tude Celestino de Souza fora criado em Ilhéus, o que lhe conferiu grande parte da inspiração para a fase inicial de sua obra literária, permeada de referências rurais, influências do cordel, repente e cantadores do interior da Bahia. Poeta de formação autodidata, tendo cumprido os estudos formais apenas até o 4° ano primário, é autor da trilogia O Ás de Ouro, o poema mais emblemático de sua obra, uma saga fictícia em três fases, com linguagem matuta, tipicamente sertaneja e eivada de traços trágicos, que narra a trajetória de um sujeito acometido pelo sentimento de vingança e que também dá nome a seu único livro, que teria segunda edição publicada pouco antes de sua morte, mas que aguarda lançamento, previsto em edição especial pelos 20 anos de seu falecimento.
Tude Celestino marcou sua poesia com temáticas relativas à boemia, ao amor e, sobretudo, à referência nordestina, pelo que é mais lembrado; sua obra, no entanto, contempla ainda um traço marcante de versatilidade, incluindo os, ainda inéditos, poemas fesceninos.
Apesar da influência primeira, pautada na temática nordestina, a cegueira, que o acometera por influência do diabetes, constituiu uma relevante influência para o caráter que seus versos assumiram posteriormente, conferindo-lhe determinada pujança e capacidade de abstração e contemplação nãovisual da relação tempo-espaço.
Foi, contudo, durante os anos de 1940, na então Santo Amaro do Ipitanga, onde se teria estabelecido por ocasião da implantação da Base Aérea do Salvador e do Aeroporto Internacional Dois de Julho, vindo atuar como agente aeroportuário, que assumiu plenamente sua irrefutável vocação de poeta, firmando-se como referência cultural do município que o acolheu como ilustre cidadão.
Declarado pelo poeta e jornalista Jeová de Carvalho como um “ente sagrado de impossível repetição”, dada a exuberância, inestimável valor literário e elaboração de sua obra, Tude se manteve sempre em evidência na região, tendo seu nome vinculado a grande parte da agitação cultural e social vigente até o final dos anos 80, quando, por complicações do diabetes, pôs termo à sua produção literária - mas não sua respeitabilidade junto ao povo desse lugar, sobretudo, por conta dos memoráveis saraus que abrigou no espaço cultural Ás de Ouro, referência da boemia local àquela época, quando, através d’A Noite Poeta - evento oficial promovido com incentivo e
participação da prefeitura municipal, contando sempre com presenças de nomes importantes das letras na Bahia -, o poeta gozou do prestígio de nomear o Prêmio Tude Celestino de Souza de Poesia, que, em edições anuais, destacou e incentivou a produção literária local, conferindo visibilidade ao município como eixo cultural no estado.
Recentemente, em iniciativa conjunta de diversos segmentos da comunidade de Lauro de Freitas, a partir da sugestão do Historiador Gildásio Freitas em tributo aos 20 anos de morte do poeta, propõe-se a atribuição de seu nome ao Centro de Cultura local, antiga sede dos festivais em sua homenagem, tornando-o Centro de Cultura Tude Celestino – CCTC.
Apesar da larga influência das ações culturais do poeta Tude Celestino como mantenedor da imagem do município como pólo cultural na sua época, hoje, quase não se tem conhecimento da relevância da sua obra, daí a importância de ações como o Movimento ATiTude CelesTina e, mais especificamente, o Projeto ATiTude.
Tude Celestino, entre outras peculiaridades, marcou em sua obra uma veemente ação pela preservação do nome e memória de Ipitanga (que remete à origem indígena e significa água vermelha) - denominação original da localidade hoje conhecida pelo nome de Lauro de Freitas, que lhe foi atribuído por ocasião da emancipação política ocorrida em 1962.
Manifestando sua ressalva pela atribuição de tal nome ao município, o poeta alegara antever um processo sutil de alienação da memória local. Para ele, a emancipação política, um processo legítimo e natural na trajetória de evolução de uma localidade, não pressupunha necessariamente o desmerecimento da memória e das referências locais referendadas no nome de Santo Amaro de Ipitanga (denominação jesuíta estabelecida com a fundação da freguesia em 1608).
Atento à necessidade da instituição de dispositivos para a manutenção da memória local, datou toda a sua obra literária em Ipitanga ou mesmo Santo Amaro de Ipitanga, mesmo nas composições posteriores à emanciapção, além de ter rejeitado o título de cidadão laurofreitense, alegando, no entanto, que se reconhecia cidadão ipitanguense.
A despeito da cegueira, tal sensibilidade e percepção apurada do mundo e da sociedade nem sempre fora expressa em seus versos, mas marcou seu pensamento em sua comunidade e em seu tempo conferindo-lhe a notoriedade e respeito de que goza ainda hoje.
Tude Celestino – o poeta de Ipitanga, faleceu em 21 de Julho de 1989, deixando viúva e quatro filhos e está sepultado no cemitério da igreja da matriz.

POESIA TUDINA

Expressão que designa a obra literária do poeta Tude Celestino de Souza, a chamada Poesia Tudina foi assim declarada pelo produtor cultural lusitano Mário Alves.
O legado da Poesia Tudina registra composições marcantes como a trilogia O Ás de Ouro, Candombá e Caboco Sero, que dão conta da influência sertaneja e matuta em sua obra. Outras referências, mais acadêmicas e eruditas são verificadas, porém, em sonetos como Dentro da Noite, Boêmio II, Lago de Narciso, Inconseqüência, Ouve-me e Madalena- Oração 7, marcando o rigor e diversidade desse aedo do asfalto, o Poeta de Ipitanga.

PREFÁCIO AO ÁS DE OURO

TUDE CELESTINO DE SOUZA É O PARNASO DO POVO

Eram os anos cinqüenta. No salão central do prédio de n°7 da Rua da Oroação, sob olhares admiradores de Bernadete Sergipana, um corpulento mulato quarentão de olhos grandes como que saídos das órbitas, declama "O Ás de Ouro", uma como que epopéia da vida de seu pai, cujo nome se perdeu no apelido que deu nome ao poema. Ele mesmo, um jogador que levava o poeta, à época um menino de ooito anos, às tavernas do sul da Bahia, há mais de sessenta anos.


(Jeová de Carvalho - Poeta, jornalista e Advogado)

O ÁS DE OURO

Seu moço, eu já fui incréu,
Mas num baráio, meu patrão,
Nunca mais eu boto a mão
Inquanto huvé Deus no Céu!
Baráio é morte, é ruína,
E pru mode essa silibrina
Pai de famia se mata
Dispôs que impenha a aprecata
E perde a ropa e o chapéu.

Todo jogo é tentação,
Mas num baraio, seu dotô,
Foi que o anjo inganadô
Butô mais quengo e treição
É cum ele que o sujo ganha
As arma qui ele arrebanha
Nos arçapão das cafuas
Pois é u’a verdade nua:
Baráio é a bíbria do cão!

Meu pai já foi home abastado
Quando eu ainda era minino,
Quando eu cresci, seu Celino
Já era, então, um pé rapado.
Vaca, casa, budega,
As casinha, os boi, as égua,
Roça, casa de farinha,
Quando pensou que ainda tinha,
Já o baráio tinha levado.

Migué Celini Paranho
O Ás de Ouro cunhecido,
Era um véio distemido
E ao falá num me acanho,
Ao perdê tudo, meu pai
Dixe ansim: Num jogo mais!
No baráio sapecô fogo
Pagô as dívida do jogo
E foi dá dia de ganho.

Meu pai era um véio pacato;
Cum eu o leite frivia,
Pois sei que o jogo esse dia
Era u’a cama de gato;
E eu dismanchava a baiúca,
Dismantelava a arapuca,
Gritava: Arco de reis!
Matava dois cabra ou três
E me imbrenhava no mato.

Pur quê eu nunca quis tostão
Num seno meu, seu dotô
O meu tumém eu num dô
Nem qui venha um batainhão;
E mode esse rejume,
Eu cunheci o negrume
Do Manto dos disingano
Dos qui leva quinze ano
No fundo de u’a prisão.

Hoje qui tudo acabô
E qui eu já fui perduado,
Qui no baú do passado
Num guardo mais essa dô,
Essa mágua, essa enlusão,
Vô abri meu coração
Qui é pra todo mundo vê
E eu contá pra vamicê
Cuma o caso se passô:

Foi no arraiá dos Firmino
Numa noite de Natá,
In vez de i pra ingrejinha oiá
Nos presepe Deus Minino
Fui foi pr’um jogo que tinha
Na casa de Zé de Aninha,
Um jogadô patotero
Qui robô muito dinhero
Do meu pai – do véi Celino.

Pur o cabra eu tinha rêxa
Guardada no coração,
Dessas que garra um cristão
E nem cum a morte num dêxa.
Atrás do Zé, no sucaro,
Cuma cachorro no faro,
Há muito tempo eu vivia
E ele bem sabia
A razão de minhas quêxa.

Fui e entrei no mundéu;
Zé de Aninha cum distreza
Butava as carta na mesa
Si rino sempre pra eu;
Figurô terno e ás de ouro
Sinti um tremô no coro
E falei cum frio na ispinha:
Nesta ronda, Zé de Aninha,
Os ás qui sai é meu.

Ele dixe: Cuma quêra,
Do princípio inté o fim;
Seu pai tomém era ansim
Mas já lhe fiz a cavêra.
E eu lhe dixe: Mas cum fio
Num ande fora dos trio;
Vou lhe avisá, num se zangue:
Lhe afogo todo em seu sangue
Se jogá cum ladroêra.

E arrancano o meu punhá
Finquei de leve na mesa
Quando larguei, qui beleza,
O cabo tremeu no ar.
Dois capanga do Zé
Qui tavam atrás dele, in pé,
Tremero veno meu fogo;
Zé deu saída no jogo
E cumecemo a jogá.

Meia noite a pressão
Do nosso jogo subia;
Eu no ás sempre perdia
E o Zé si rino... Apois não!
E eu já cheio de incerteza,
Oiei dibaxo da mesa
E vi então cum esses óio
Qui nunca teve dordóio
Dois ás de baráio no chão.

Dano um sarto de cavalo,
Ranquei o punhá da mesa,
E, cum toda ligereza,
Sigurei Zé no gargalo
E dei vinte punhalada
Inquanto qui in disparada
Os dois capanga fugia
E na ingrejinha se uvia
Cantarem a missa do galo.

Quinze ano - ou foi cem?
Eu amarguei na prisão.
Já sou homem de bem;
Só vivo do meu trabáio.
Num peguei mais in baráio,
Dexei aquela vidinha.
Mas o tal de Zé de Aninha
Nunca mais roba ninguém.

A VINGANÇA DE ZÉ DE ANINHA

São João! Fuguete! Istôro!
E eu aqui, queto, iscundido,
Muito triste e arrepindido,
Cum cara de mau agôro.
Eu so fio do Ás de Ouro
Qui, pur disventura minha,
Liquidei o Zé de Aninha
Nu’a noite de Natá
E agora vivo a pená
De um remorso qui me ispinha.

A sorte é quem ditrimina
O qui nós é nesse mundo;
Uns nasce pra vagabundo
E tem qui cumpri a sina,
As vez a gente arrimina
Faz tolice de minino
Mas num distorce o distino.
Zé nasceu pru baráio
Eu, da vida nos ataio,
Triminei seno assassino.

Mas paguei as minhas pena
Todinha à sociedade,
Só inda agora a maldade
Do remorso me condena;
Fecho os óio e vejo a cena
Do Zé a se acabá;
No seu sangue se banhá...
Tombém oiço as pancada
Dos sino, as badalada
Da ingrejinha do arraiá.

Iscute, seu moço, meu azá,
Foi vê naquela vingança
I simbora a isperança
D’eu um dia me salvá,
Dispois de o Zé eu matá,
Num buteco – o Perde e Ganhe
Eu quis inté abri champanhe;
Mas a vingança nos trai:
Jugano vingá meu pai,
Quaje matei minha mãe.

Minha mãe qui sofreu tanto
- Cuma ela merma me contô –
Qui derna qui se casô
Qui veve a derramá pranto,
Fez promessa a todo santo
Pra meu pai – O véi Celino,
Dexá o triste distino,
Do barái dexá os trio
E acabô foi veno o fio
Na prisão como assassino.

E meus ano de prisão,
Qui quaje num acabam mais.
Minha mãe num teve paz,
Só mágua no coração.
E só, naquela aflição,
Lembrei dela – Dona Aninha,
A mãe do Zé, u’a veinha
Qui veve a rezá pur ele.
Eu, veno triste a mãe dele,
Lembrava, triste, da minha.

Parece inté um mistéro.
Qué vê, repare, patrão:
Das grade de minha prisão,
Eu via de perto o impero
Da tristeza – o sumitéro.
E via sigui de pé,
Todo dia u’a muié...
- Era ela, Dona Aninha,
Qui ia toda tardinha
Rezá na cova do Zé.

As duas santas muié,
Sobe ainda na prisão,
Qui passavam privação
Talvez inté fome, inté.
Prá irem, cheia de fé,
U’a vê o fio novamente,
Teno no pé u’a corrente;
A ôta, pru campo santo.
Duas mãe com o mermo pranto
Chorano dô diferente.

Moço, nós tudo um dia
Divia entrá num xadrez,
Passá dois dia ou três,
Veno passá sem alegria
As hora nas inxovia
Mermo sem firi ninguém;
Garanto, qui era um bem
Siria útil a lição,
Diminuía os ladrão,
E os assassino tomém.

Mas, sim, minha penitença:
Paguei toda na prisão,
Mas a arma e o coração,
Tão presa em otra sentença;
No remorso, a mágua imensa
Qui me traz arrepindido,
Me taxaro de bandido
E, ao senti esse horrô,
Eu fiz a nosso senhô
Esse pungente pedido:

Oh! Deus, tenha a arma do Zé
No santo reino da glora
E me dexe vida a fora
Nos ispinho sangrano os pé.
Inté que um dia inté
Eu ganhe de novo a isperança
Qui só penano se arcança;
Dexe,meu Deus, eu sofrê!
E qui seja do meu vivê
Do Zé de Aninha a vingança.

REDENÇÃO

Sarve, Oh! Deus Onipotente!
Qui criou o céu e o má,
Qui veno a gente pecá
Ainda perdoa a gente;
Sempre bondoso e cremente,
Nos dá toda proteção,
É pai ditoso e, então,
Seu amô é santo, é puro
Qui inté pru crime mais duro
Ele reserva um perdão!

Minha istora é cunhecida
Pur todo esse sertão,
Só ninguém sabe, patrão,
Qui a liberdade quirida,
Quando a gente vê perdida
É qui o remorso aparece
E dentro da gente, cresce.
Mas cadê pudê vortá
Do mei da trama e evitá
As teia qui o diabo tece?

Ao obtê a liberdade,
Num teno mais o meu pai,
Minha mãe, vai mas num vai,
Saí triste, na verdade.
Minha mãe, pur piedade,
Do muito qui ocorreu,
Num relato pra eu.
Ansim, preso, eu num sabia
Qui a fome, muitos dia,
Na sua porta bateu.

Mas minha mãe inda me viu
Gozano da liberdade.
Mas já avançada da idade,
Com mais um ano, partiu.
Me abraçano sorriu
Quando sua hora chegô,
Sorrino me abençoô,
E pru céu, cuma um anjinho,
Ansim Cuma um passarinho,
Sua alma pura vuô.

Fiquei sozinho no mundo,
Inda pur cima, mal visto.
Me agarrei cum Jesus Cristo
Pra num sê um vagabundo.
Meu desgosto era profundo
Quando eu via Dona Aninha
Qui tombém ficô sozinha,
Pois viúva criô Zé,
Qui eu ajuntei os pé
Naquela hora mesquinha.

Deus me perdoe – Ave Maria!
Se vou dizê coisa fea:
Mermo sorto ou na cadea
Eu tinha a merma agonia,
A merma dô me afrigia
Cuma se eu fosse um ateu,
Era triste os dia meu...
Parecia, meu patrão,
Qui Deus, cum toda razão,
Andava cum raiva d’eu.

Apesá de tê dexado
A danada da cadêa
Tinha na alma u’a peia
Eu vivia amargurado.
Tinha um remorso incausado
Qui num achava meizinha,
Mas u’a voz, u’a tardinha,
Me dixe qui pra eu vivê
Eu tinha qui obtê
O perdão de Dona Aninha.

Fui entonce, sem demora,
Pru ranchim, pra casa dela,
Qui, pra mim, virô capela
E ela, Nossa Senhora!
Dona Aninha, minh’alma implora,
Eu vim aqui lhe implorá
Seu perdão; e ela, a me oiá
Cum uns zoinho imbaciado
Me abraçô e, abraçado,
Nós cumecemo a chorá.

Dipois sirrimo. E Jesus,
Num registro na parede
Do ranchim, bem junto à rede,
Tombém sirriu lá da cruz.
A sala se incheu de luz
Viro u’a ingreja a casinha
Diante, intão, da veinha,
Sentei o juei no chão,
De Deus sintino o perdão
No perdão de Dona Aninha.

E ainda, pur sorte minha,
Cumpretano o seu perdão,
Numa noite de São João,
Ela quis sê minha madrinha.
Ansim, a doce veinha
Fez eu isquecê o qui se deu,
O meu passado morreu
E a minha vida hoje é bela.
A minha mãe, hoje, é ela
E o Zé, pra ela, sô eu.

Sarve, Oh! Deus Onipotente!
Qui criou o céu e o má,
Qui veno a gente pecá
Ainda perdoa a gente;
Sempre bondoso e cremente,
Nos dá toda proteção,
É pai ditoso e, então,
Seu amô é santo, é puro
Qui inté pru crime mais duro
Ele reserva um perdão.

CANDOMBÁ

Entre as pedrera qui incerra
Nos seus veio a turmalina,
Nas Lavra diamantina,
Naqueles confins da terra,
Nas brecha sêca da serra
Qui o só veve a quemá,
Naquelas banda de lá
Do mau fadado sertão,
Onde o ano todo é verão,
É qui nasce o candombá.

No sertão sem lei, sem nada,
Onde toda prantação
E tombem a criação
Morreu tudo isturricada,
Na terra sêca, quemada,
É qui nace o candombá
Qui serve pra se quemá
E acendê os fugão,
Candombá é no sertão
O gás do povo de lá.

Sertão qui quando hai fartura
Num hai terra mais mio,
Fruita é pra se inche mocó,
Requejão e rapadura,
Os home num tem usura
E as muié é uns amo;
Hai sempre bons cantado
Qui Cuma uma queda d’água,
Vão chorano suas máguas
E cantano suas dô.

Mas se hai seca, farta tudo,
Derna do pão a justiça
Num tem doto nem puliça,
Nem instrução nem istudo,
Os guverno sempre mudo,
Num se tem pronde apelá
O povo bom a pená
De mulambo é qui se cobre
E a vida sêca do pobre
É Cuma a do camdombá.

E a sêca firme demora
Cum toda a sua mardade
E entonce a felicidade
Diz adeus e vai-se embora
A fome diz “tá na hora”
E os home de pusição
Qui nos tempo de inleição
Abraça o povo se rino
Vão tudo se assumino
Sem alma, sem coração.

Candombá, dá providença.
Faz o teu fogo queimá,
Ou pulo menos isquentá
Dos guverno a indiferença
Queima os papé das pendença
Dos vidraçados salão,
Reduz à cinza os ladrão
E mostra no teu luzi
Qui nos mapa do Brasi
Tombém ixeste o sertão.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

CABOCO SERO

(A Jorge de Oliveira Martins)

Tu qué, caboca, i cum eu,
Morá lá no meu barraco,
N'ua casinha de supapo,
Cubertinha de sapé?
Caboco sero, num iludo,
Meu casebre tem de tudo
Que tem casa de pobre,
Tá inté sobrano uns cobre,
Mas tá fartano muié.

Se vancê fô lh'agaranto
Certo cumo sô home
Passo a casinha em seu nome
Pru tinta e papé, le dano.
Cuma sabe, vivo só,
Mas preciso de um xodó
Pra me fazê cafuné
Aprepará meu café
E brigá de vez in quano.

Vamicê ino, caboca,
Cumigo num se dá má,
Abasta se acustumá
Cum os defeito qui tenho
Um é sê mão aberta
Amigo bom vem na certa,
Pruque eu teno ele tem,
Pra sirvi quem quero bem
Inté a camisa impenho.

Sou manso, sou assussegado,
E nunca muié aêia,
Seno ela bunita ô feia
Eu oiêi cum safadice.
Esse é meu rejume,
Se vancê qué nós assume
Um trato, um cumpromisso
Num tem quengo nem feitiço,
E nem tem disse-me-disse.

Tô tombem respeitadô
Cum otras muié falo pouco
Mas se argum pilantra louco
Desses qui veve no mangue
Buli cum muié minha
Dexa de cumê farinha
Da lei eu sarto pur riba
E no no aço da parnaíba
Dô um banho morno de sangue.

Pois num nasci cum fidunça
Nem cum jeito de paiaço
Persigo no mermo traço
Do meu pai, na merma linha
Véio que nunca mentia
E sempre sempre dizia
De peito inchado e de pé:
Respeito todas muié
E amo somente a minha.

Mas meu defeito maió
É istragá meus tustão
Ganho uito e nessas mão
Nada fica, tudo passa
Vendo tudo, tudo impenho
Impresto tudo qui tenho,
Troco fejão pru farinha
Mais porém cum muié minha
Num hai negoço qui faça.

Se vancê qué i cum eu
Vamo mas seje fié
Pra um home de meu toré
Só muié sera de fato
É seu todoo arrebanhado
Qui eu fizé lá no roçado,
Mais caso vancê me atracei,
Num tem discurpa nem lei,
Eu juto pru Deus, lhe mato!

CARRO DE BOI

(A Hamilton Coim)

"Lá vem o carro gemendo,
Carro de boi, dois a dois,
O carro geme entendendo
Toda agonia dos bois"
(Anônimo)


Na tarde que vai morreno
Soluçano nos cocão
Pelos brongo do sertão
Lá vem o carro gemeno
É o carro de boi trazeno
A carga que alguém lhe pois
Em cima é feijão, arroz,
Vem venceno os atolero
Sob o ferrão do carrero
Carro d eboi dois a dois.

E na canga os boi sofreno
Arrastano a carga bruta
Mas unido à grande luta
O carro geme entendeno
Eu tombém vou compreendeno
Ô! Grande Deus! Por quem sois?!
Compreendi que é depois
Das treva que a luz se acende
Geme o carro porque entende
Toda agonia dos bois.

SANTO AMARO DE IPITANGA, NOVEMBRO DE 1985

MEU FEITIÇO

(A José Laurentino - Lauré)

Teu amor é meu feitiço,
Meu anel de catimbó,
Tem mandinga, tem ebó
És meu dengo, és meu derriço
Sou cego e doido por isso
Qual um sariguê por ovo.
Mas nestes versos te louvo
Oh! Paixão que me alucina
Que meu olhar ilumina
Depois me cega de novo.

DUAS SANTAS

(A Francisco de Assis M. Moura)

"Eu vi minha mãe rezando
Aos pés da virgem Maria,
Era uma Santa escutando
O que outra santa dizia."


De Manhã, eu hoje quando
De uma farra voltava,
Quando em casa eu entrava
Eu vi minha mãe rezando.
Fiquei bem sério pensando,
Vendo o sol que nascia,
Vinha eu da boemia,
Vendo minha mãe a rezar
Fui também me ajoelhar
Aos pés da Virgem Maria.

E a Santa pra nós olhando
Através de um vidro espesso
Embora esculpido em gesso
Era uma santa escutando
Eu, meus erros confessando,
E a Santa Virgem Maria,
Vendo minha mãe que pedia
Pra esse filho salvar,
Era uma santa a escutar
O que a outra santa diazia.

DENTRO DA NOITE

(A Manoel Messias Santiago)

Varando a noite eu vi pelos cassinos
A esbórnia destruindo patrimônios
Vi anjos transformando-se em demônios
E mestres cometendo desatinos.

Vi nas vielas torcerem destinos;
Vi virgens que pediram a Santo Antônio
Um lar e o sacrossanto matrimônio
Serem pastos de vis e libertinos.

Vi a inocência ao léu sob as marquises
Morrendo ante um escol inconseqüente
E a pureza do olhar das meretrizes

Vi ante mil estrelas assombradas
Boêmios sob um céu indiferente
Sereno estuprando as madrugadas.

BOÊMIO

Boêmio, eu sei, teu mal não tem remédio,
Teu riso louco, tua louca alegria,
São guizos que prendeste com ironia
No nebuloso manto do teu tédio.

No peito magro que já foi tão nédio
Cravaste o punhal da hipocondria
E para disfarçar tua agonia
Manténs o bar num incessante assédio

E assim, ébrio, disperso, desregrado,
No riso a esconder pesar profundo,
Destróis em ti o que há de mais sagrado

Tuas ânsias de revolta mal contendo,
Vês entre as taças de licor imundo
Teus sonhos todos, um por um, morrendo.

BOÊMIO II

(A Gilberto Baraúna)


Boêmio, eu não sei porque tão desregrado
Trocas assim teu lar pelo antro da taberna,
E a saúde destróis e tua alma tão terna
Arrastas pela rua como um desvairado.

Num poema genial, no bar improvisado,
Retratas no asfalto o homem da caverna,
E os copos se sucedem e lá por fora inverna,
E num verso profano o vinho é sublimado

E a noite avança, e enquanto o lar te espera em calma,
Na madrugada fria, com a mente em brasa,
Desvendas insensato os teus segredos d'alma

E já manhã agora, a dúvida o situa,
Entre o dever imperioso de ir pra casa
E uma vontade louca de ficar na rua.

POETA

(A Isaac Santos)

Não sei.... mas considero fatal o teu destino:
Eterno viajor sem pouso neste mundo.
Do belo um ansioso e mago peregrino
Sem ter pátria nem lei, artista e vagabundo

Do ideal à procura por antro profundo
Palmilharás cantando o teu excelso hino
E parecendo mau, esconderás no fundo
Da máscara de bandido uns olhos de menino

Pela turba aplaudido e vezes apupado,
Prosseguirás sereno e mui despreocupado
A fitar o horizonte onde estendeu tua meta

Indiferente àqueles que te chamam louco,
Imperturbável e só, seguirás pouco a pouco,
Em busca do teu sonho imenso de poeta.

POETA II

À procura do belo eu vinha pela vida,
Qual rijo viajor que há muito não descansa,
Conduzindo nos pés a rota da esperança
E a poesia trazendo n'alma refletida.

Sem demonstrar cansaço, apesar da corrida,
Brincava no meu rosto um riso de criança,
Fé que ledo afinal encontrei a bonança
E a poesia me deu a suprema guarida.

Oh! jardim encantado que procurei tanto,
Onde versos alados vão desabrochando.
Tu compensa-me agora o antigo pranto.

E nesta aura de olores canta inebriada
A minh'alma boêmia, sensível, aspirando
"Tua essência que é tudo em meu todo que é nada".

EU, PLHAÇO

Com o coração dopado, eis-me aqui em cena
No palco da ilusão pintado de alvaiade;
Trazendo uma esperança unida a uma saudade,
Enfrento a plebe-rude, essa feroz hiena.

Nas contrações da face escondendo a vil gangrena
Do meu terrível tédio e, em mágica habilidade,
Promovo galhofeiro e levo a chã vaidade
À infrene turba-multa que ruge na arena.

E em meio a essa gente e luzes divinais,
Escamoteio a dor de minhas emoções
Quando o aplauso ou a vaia estruge nas gerais.

Burlesco alvo à mercê desses contrastes todos,
Eu choro temeroso em meio às ovações
E rio como forte, enfrentando os apodos.

QUADRA

(A Fábio Amado)

Ei-lo triste, abandonado
Da vida ao léu, sem ninguém...
É o poeta Fábio Amado!
Amado, meu Deus, por quem?

GALOPE VAGABUNDO

(A Adelmo Oliveira)

" Visto meu casaco azul de malha
E saio de cavalo de pó e nuvem
Pelo espaço
À procura da face errante
De Deus"
(Adelmo Oliveira)



Sonhos de nauta afogando,
Ele trocou caravelas
Níveas naus de pândegas velas
Por cavalos e, sonhando,
Varou mundos cavalgando
Viu de Roma os coliseus
Varreu mares com os hebreus
E assim, por pagos errantes,
Vagou ávido e inconstante
Qual vagabundo de Deus.

LAGO DE NARCISO

(A Clóvis Moraes - Barra Grande)

Não basta ser feliz, ainda preciso,
Além dessa ventura, ter camisa;
E que não haja amor, marco ou divisa
A cercear meu lago de narciso.

Que sensualmente fêmea e sem juízo,
Leve-me pouco a pouco, hábil, precisa
Ao teu inferno e depois, com a brisa,
Transfere-me ao céu com teu sorriso.

Que tuas mãos me façam mil carícias
E ofuscado ante teus contornos
Eu goze desse amor todas delícias.

E farto enfim, mas face a um novo ardor
Que tu ainda com teus beijos mornos,
Leve-me, louco, a morrer de amor.

MADALENA - ORAÇÃO 7

Sim! Dizem que ela é fútil, ébria, preguiçosa,
Intrigante, ranzinza, átra e debochada,
E que também é falsa, astuta e muito prosa
Blazona por aí a fora e é desalmada.

Dizem também que ela é torpe e asquerosa
E que n'alma de lama traz, no imo guardada,
A cobiça mais crua, a tara mais nervosa
E que enfim, é perdida e despudorada.

E creio que ela é pura como u'a nuvem aspersa,
Linda gota de orvalho em florida mangueira
Caindo de manhã em perfume imersa!...

Também creio em seus olhos... ah! Eu não me iludo!
E se ela é fútil, ébria, astuta, traiçoeira,
Que me importa? - eu gosto dela é com defeito e tudo!

MEU LOUCO CORAÇÃO

Ela entrou no aeroporto
De amarelo vestida,
De blusa, calça comprida
E eu, estático, absorto,
Tendo o coração já morto
E a alma triste ausente
Sem vibração, já dormente,
No peito senti um baque
E o coração tic-tac
Ressuscitou de repente!

Pelo salão passeou
Foi até a lanchonete
Como uma linda vedete
Nem sequer pra mim olhou;
Meu bom senso aconselhou
Ao coração docemente:
Não ame tão de repente
Que irás sofrer sem ter jeito
E o louco dentro do peito,
Ébrio a pular de contente!

É FÁCIL FAZER POESIA

É fácil fazer poesia
Quando canta o coração
Fazer do verso oração
De culto, você, Maria!

Quando de ama, Maria
Se é poeta e cantor
Preso à chama do amor
É fácil fazer poesia
Pode estar chuvoso o dia,
Escuro, de cerração,
Parece que é verão:
Há sol na alma da gente.
Vive-se para o amor somente
Quando canta o coração.

Do teu sorriso, a canção
Que me inebria e me acalma,
Ouvindo é fácil minh'alma
Fazer do verso oração!
Ter universo na mão
Numa constante harmonia,
E em divinal melodia
Sem dissonância nem guerra,
Fazer o céu cá na terra,
De culto - você, Maria.

PERENAL

Eu penso em ti e padeço,
Minha arrulhante juriti,
Vivo só pensando em ti
Até quando eu adormeço
És jóia de alto preço
E quando então me transponho
Ou ingenuamente me ponho
Em meio à tua paisagem
Vejo sempre tua imagem
No cinema do meu sonho.

Se um mau fado medonho
Me vem através do vento
Recorrendo ao pensamento
Vejo teu vulto risonho
E vai-se o tédio tristonho
E a maldade ao avesso
torna-se um bem - agradeço
E adormecendo sorrindo
Vejo-a no meu sonho lindo
Eu nem dormindo te esqueço.

PERENAL II

Mais um dia se vai em minha lembrança
Contínua, reinando persistente.
Cativa, sem defesa a minha mente
Pensando só em ti, jamais se cansa.

Quando do ocaso, o véu difuso avança,
Ainda estou a cismar e docemente
Busco um alívio, olhando o céu poente,
Abismo em cores onde o sol se lança.

E a noite vem; meu fado continua,
Feito de sombras, teu vulto risonho
Em meu redor diáfano flutua.

Teu nome em prece rezo e adormeço
E ei-la integralmente no meu sonho
Meu Deus, eu nem dormindo te esqueço.

OTIMISMO

(A Nelson Gallo)

Árdua jornada eu fiz, o sol a pino,
Os pés descalços, sem farnel, eu vim
Trilhando a longa estrada do sem fim,
Lutando contra a força do destino

Vinha sozinho...alegre peregrino
Envolto em trapos, mas ainda assim
Cantava, olhando o céu que sobre mim
Se debruçava claro e divino

E mal chegando à meta divisada,
Eis-me inquieto, embora sem queixume
Sinto saudade já da caminhada...

Mesmo encontrando na jornada espinhos,
Minh'alma guarda apenas o perfume
Das flores que colhi pelos caminhos!

OTIMISMO II

Senhor, foge-me a luz, estou cegando,
Não colho mais as flores do caminho,
Mas esqueci se encontrei espinhos,
Pelas estradas que trilhei cantando.

Não sei quando há luar, nem mesmo quando
Estão no céu em festa os passarinhos,
Não sei quando há no azul flocos de arminhos,
Mas ouço os coqueiros farfalhando.

Não mais do lusco-fusco as nuanças,
Nem d'alva o rosicler, já não espero
Para encetar a esmo minhas andanças.

De peregrino sem farnel, desnudo
Mas não me queixo...oh! Pois quando quero
Fecho os olhos e revejo tudo!

OUVE-ME

Entra em minh'alma, vem! Mas não perguntes nada
Que eu também a ti, nada perguntarei.
Eu me esqueci de tudo e agora já nem sei
Se houve pedras ou flores pela minha estrada.

Se castelos ergui na doida caminhada
Que inconseqüente fiz, jamais os encontrei.
Mas que importa se fui pária ou se fui rei,
Qual na existência vã é o meu degrau na escada?

Não sei se vim ou se fui, que sei da vida?
Chegar não é talvez o mesmo que ir embora?
Não sei, só sei que amo. Ouve-me, querida,

O ontem se foi, o amanhã nem sei se posso
Dizer se vem ou não; amemo-nos agora,
Neste hoje que é eterno e tão somente nosso.

SIMULTÂNEOS

(A Lúcia Adãs)

O vozerio em torno era aguerrido
Mas nós dizíamos versos simultaneamente
Ao ouvido um do outro e sua voz dolente
Embalava de sonhos meu atento ouvido.

Quando de minha vez, em mil rimas perdido,
Tentando compensá-la pelo áureo presente,
Tropeçava no verso e a lira cadente
Descantava cativa um sonho dolorido

Cumpliciada com a brisa que passava
Envolta em ondas de Perfume, a minha face
A sua cabeleira afagava.

E a noite complacente meu desejo embala
Desejo que crucia e me leva ao traspasse,
Por conter, insensato, a ânsia de beijá-la.

ANTECIPAÇÃO

(A Waldir Soares Rocha)


Chegaste!oh! entra, eu te procurei tanto...
Sem bússola, sem norte, ao léu, sem endereço
Oh! Que incessante busca, quanto tropeço!
Quantas vezes sorri para esconder o pranto.

Para despir do tédio o nebuloso manto
Sonhei marmóreas ilusões que eram de gesso.
Paguei por minha tristeza um elevado preço
Nas noites que embalei em mavioso canto

Jogral apaixonado, tendo a lira ao peito,
Eu te busquei, amor. Cantando, eu ia e vinha
Jogando o coração a esmo, insatisfeito.

Sei agora o porque daquela mágoa infinda
Que me apertava o peito, é que n'alma eu já tinha
Saudades de você, sem conhecer-te ainda.

PENSANDO EM TI

Estou só. Não; estou pensando em ti,
E este mister se fez uma constante
Em minha vida, desde aquele instante
Sublimizado em que te conheci.

Jamais ficarei só pois descobri
Que para tê-la, mesmo assim distante,
Basta lembrar a cena extasiante
Do primeiro momento em que a vi.

E eis que chegas no corcel do vento,
Alçando mais a mais a minha crença,
De que és para minha alma a paz, o doce alento

E fruindo desse amor a grata essência
Chego até a sentir em tua presença
Um ciúme vão e sutil de tua ausência.

INCONSEQÜÊNCIA

Da luz do teu olhar sereno eu preciso
Para guiar-me mansamente em meu caminho.
Quero teu colo morno para ser meu ninho
E teu corpo para ser meu paraíso.

Para suster meu passo trôpego e indeciso,
Requeiro o braço amigo e o teu carinho;
Para afastar meu tédio, ouvir o som de pinho
Em serenata que se expande em teu sorriso.

Do teu andar sutil, requisito os maneios;
Da tua boca rubra, quero o beijo quente
Para aplacar-me n'alma todos meus anseios.

Mas uma voz me diz, quebrando-me o encanto:
-Quem és tu, boêmio louco, inconseqüente,
que nada tens a dar e ousas pedir tanto?

ILHAS

(A Rivaleno Amâncio Costa)

Que tormento, meu Deus, se eu não a via,
Que angústia se a tinha a meu lado
Pois muito antes de ela ter chegado
Já a dor de sua partida eu pressentia.

Como era longa a ausência de um só dia
Quando eu contava as horas desolado
Como eu sofria, meu Deus, com ela abraçado,
Longe dela, meu Deus, como eu sofria!

Mas deste amor as chamas se apagaram
E dessa lava ardente, hoje absorto,
Contemplo só as cinzas que ficaram.

Foram-se as juras, foram-se os carinhos
Somos agora as ilhas de um mar morto
Vivemos lado a lado e tão sozinhos.

PRESSÁGIO

(Ao saudoso mestre e amigo Eduardo Tudella)


Na vida ser triste, sem carinho,
Como estou destinado a ser agora...
Pois desde que partiste, assim sozinho,
Medito no silêncio desta hora.

A brisa que bafeja de mansinho
De leve agita o coqueiral lá fora
Cá dentro, no meu quarto em desalinho,
Tento abafar a dor que me devora.

Vencido pelo tédio que me invade,
Rememoro o passado com saudade,
Numa semi-brutal inconsciência.

Ouso dormir....dormir? que doido intento...
Não me deixa sequer um só momento
O fantasma augural de tua ausência!

IMPONDERÁVEL

(A Marta Madureira)


Começou! Não, nem sei se começou
Foi um vislumbre, apenas um olhar,
Um prenúncio de sol, tênue luar,
U'a pluma que a brisa esvoaçou.

Um sonho belo que não se sonhou
Um lírio inexistente num altar
Uma canção que não se ouviu cantar,
Um instante sublime que passou.

Foi música que ouvi quase em surdina
Miragem? Sim! Mas guardo na retina
Como um esbater de asas de cetim.

Volátil aroma de etérea flor
Foi amor... mas que estranho amor,
"Sem nunca ter princípio, teve fim".

MEU GRANDE AMOR - A POESIA

Quando a noite me extasia,
Embriagado de lua
Vou cantando pela rua
Meu grande amor, a poesia!
Quando então se irradia
As aurifulgências de prata
Do luar em serenata,
Um verso que no ar apanho
Me diz que esse amor estranho
É quem me nutre e me mata.

A CABELEIRA DA IGREJA

Sobre a Sé ao luar doce,
De u’a palmeira a sombra adeja,
Revolta como se fosse
A cabeleira da igreja.

Era noite e a brisa trouxe
Do mar toda poesia
Para ofertar à Bahia
Sobre a Sé, ao luar doce
Depois a aurora... e então foi-se
Transmudando-se em cereja
O céu, que agora almeja
O sol, que a pouco cintila
E sobre a nave tranqüila
De u’a palmeira a sombra adeja.

Depois a aura mudou-se
Numa lufada ligeira,
E a copa da palmeira
Revolta como se fosse
Um lago que transformou-se
Num bravo mar que peleja
Contra o tufão que o dardeja
Era assim toda inquieta,
Como diria o poeta
A cabeleira da igreja.

LATROLÚNIO

Foi na semana passada
Em minha rua houve seresta
Lua cheia, céu em festa
E na noite enluarada
Boêmios de madrugada
A lua cheia louvaram
Mas ontem, Oh! Me contaram
Que a lua triste no espaço
Surgiu faltando um pedaço
Que os seresteiros roubaram.

ACALANTO

(A Valéria Vaz)


Quando de dores a malta
Invade o meu coração
E minha solidão
O tédio também assalta
Carente de amor na falta
No auge do desencanto
Quando já bem perto o pranto
O meu olhar anuncia
Arrimado na poesia
Em vez de chorar eu canto.

MINHA NAU DESARVORADA

Quando o ciclone da vida
Leva meu barco à deriva
E o nevoeiro me priva
De encontrar uma saída,
Só você, minha querida,
Em meio à turva jornada,
É minha luz na madrugada,
Minha ilha, meu tesouro,
Meu porto, meu ancoradouro
Pra minha nau desarvorada.